UTHIAHARITY – UTIARITI
A quem interessar lá se vão outras histórias sobre a Missão Anchieta, a influência dos jesuítas na região e comentários sobre a região. Enviarei ao Marteleto uma série de fotos para que ele as coloque no álbum e todos possam se deliciar com a realidade.
Fui convidado para ir ao Centro Tecnológico de Campo Novo do Parecis, cidade do Mato Grosso que era considerada o final de todas as terras em 1961. Teria atividades com os professores da Escola Técnica Federal e Secretaria de Educação da cidade. O nome é escrito assim mesmo, embora errado quanto ao modo da língua portuguesa grafar. Quando a ela me referir, escreverei somente CNP.
Do aeroporto de Várzea Grande segui de carro para CNP. Quatrocentos e cinquenta quilômetros de asfalto. Em alguns trechos, muito bom. Passamos por Tangará da Serra, onde estive há dois anos e trouxe uma série de fotos.
Com o progresso agrícola o asfalto chegou a uma distância da antiga missão não mais que 60 km. De modo que, ir ao Utiariti e Salto Belo do Rio Sacre ficou muito fácil. As fotos falarão mais que a narrativa.
Acompanhou-nos a Cacique Myriam que tinha sete anos quando de nossa visita à Missão Anchieta em 1961 (Selvaggi, Savioli, Bráulio, Fernando Almeida e eu). Esta cacique supervisiona sete escolas indígenas dentro da reserva de 1.600.000 hectares e cuida das atividades acadêmicas, merenda, material escolar e atendimento aos professores, todos contratados pelo município de CNP.
Segundo a Cacique, as lideranças indígenas nas várias aldeias são exercidas por indígenas que estiveram na Escola de Utiariti à época da missão. Este aspecto é ressaltado pela Myriam como um fato muito positivo do trabalho dos jesuítas. Ela não concorda com o método usado pelos missionários porque os indígenas perderam muito da sua própria cultura. Ela mesma teve que reaprender, inclusive a língua Pareci.
Conosco estavam três professores, a Cacique Myriam que também é professora. O Prof. César que usa barba é esposo da Professora Vera que coordena o setor pedagógico da Escola Técnica Federal. Além disso, o César é diretor da Escola Estadual Padre Arlindo em CNP. O Padre Arlindo estava na Missão Anchieta em 1961, era natural de Santa Catarina e permaneceu entre os indígenas, residindo nas aldeias e atendendo-os espiritualmente. Na reserva e em CNP é muito reconhecido tanto que os indígenas exigiram que seu corpo ficasse sepultado numa das aldeias. Nas fotos encontrarão a sepultura, as inscrições e verificarão todo o cuidado e respeito que têm por ele.
Sempre pensei que Utiariti fosse o nome de um pássaro e que o salto tinha esse nome por causa do Marechal Rondon. O Rondon continua mal visto na região e Utiariti não é pássaro. UTHIAHARITY, na língua pareci que é do grupo nuaruaque, significa povo sábio. Dai ser este local considerado “sagrado” pelos indígenas.
As fotos mostrarão que pouco mudou a área da reserva. O entrono é agronegócio puro e imenso. Encontrei na maloca da cacique um pôster do Blairo Magi que, com o apoio dos índios, asfaltou com apoio do governo federal uma estrada entre Sapezal e CNP. Beneficiou índios e suas próprias terras. O pedágio, no entanto, continua com os índios.
A reserva Pareci dificilmente será mudada porque se trata de um grande areão, improdutivo, servindo para pequena agricultura familiar. O agronegócio não se interessa pelo espaço entre o rio Sacre e Papagaio. Em CNP há uma empresa terceirizada da Petrobrás fazendo pesquisa e avaliando a viabilidade econômica do gás e do petróleo. Isso poderá mudar o perfil econômico de CNP e chegar a atingir a reserva indígena que, segundo dizem, está sobre uma grande reserva sobretudo de gás.
Algumas comparações causam espanto e algumas realidades preocupam. Espanta-me ver dentro da maloca um computador e a Cacique Myriam informando que terão internet, enquanto encontro em várias partes do Brasil professores que odeiam computadores; Espanta-me ver o investimento feito pelo MEC na Escola Técnica, inclusive com um corpo docente muito bem preparado, incluindo mestres e doutores, enfrentando uma dificuldade enorme porque os alunos não querem ser técnicos e, sim, advogados, psicólogos, médicos etc. Este panorama é muito comum nas escolas técnicas que se abrem pelo Brasil. O grupo que passa pela seleção corresponde a uma elite local, os professores, por incrível que pareça não reclamam de indisciplina escolar. A questão é outra: o objetivo dos alunos não corresponde ao objetivo da escola.
Fizemos o mesmo trajeto de 1961, chegamos às margens do Sacre onde há o mesmo sistema de cinquenta anos para atravessá-lo, puxamos a balsa como nos velhos tempos e consegui tirar uma foto no mesmo local e mesma posição de 50 anos atrás. Assim fica mais fácil para ver se o tempo foi ou não ingrato. Visitamos o rio Papagaio pelo lado oposto à antiga vila do Uthiaharity (povo sábio) e seguimos para a estrada asfaltada cortando o cerrado.
O restante, as fotos falarão mais que a narrativa. Numa delas procurei ficar na mesma posição do Fernando Almeida, segurando um galho de árvore para que o Salto Belo fosse visto. Ele, certamente recordará.
As escolas indígenas funcionam e as crianças falam um português correto.
Agora, força histórica é um fato! Numa das aldeias as crianças até hoje jogam “pipocão”. O nosso velho pipocão. Só que, entre indígenas que aprenderam a jogar com os padres jesuítas da Província do Sul, o jogo tem um nome europeu: spiryball. E, pelo Google, encontra-se até foto deste jogo.
A lembrança do Padre Selvaggi e dos colegas de 50 anos me acompanhou nessa segunda visita, as fotos representam a recordação e o silêncio que reina no local, quebrado pelo barulho das águas guarda em repouso merecido o corpo de nosso irmão, exemplo de dedicação aos indígenas, Padre Arlindo Ignácio de Oliveira.
Parabéns pela escrita fácil.
ResponderExcluirAté parece que eu estava lá também!
Em 1961 eu estava no Aloisiano - Admissão.
Fiquei com os jesuítas até 1965 - depois fui estudar com os diocesanos em Campinas (Seminário Imaculada) até 1971.
Trabalhei no Santo Inácio de 1973 a 1993 como professor de Geografia.
Sergio Verly
Hamilton, obrigado por nos atualizar sobre uma região que nos disse muito em nossa adolescencia!
ResponderExcluirGrato, Verly. Assim que o Marteleto tiver tempo postará as fotos dessa viagem. Um abraço. Hamilton Werneck
ResponderExcluirPaulo Delboux, quando as fotos forem postadas você verá onde ficou o túmulo do Padre Arlindo que é, verdadeiramente, amado pelos indígenas da reserva. segundo a Cacique Myriam os Pareci impediram que levassem o corpo para Santa Catarina. Um abraço. Hamilton
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